segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Hippie India and the random french guy


Quando um ocidental de 20 e poucos anos, que vive e trabalha/estuda na Índia sozinho, vê um grupo de ocidentais da mesma idade é como uma visão de luz ao fundo do túnel. Alguns dos internos estavam na cidade a semana passada quando se cruzaram com um francês qualquer, que andava por lá sozinho, e imediatamente fizeram uma nova "aquisição" ao grupo para as viagens de fim de semana. Eis o "random french guy".

Este fim de semana rumámos à costa este da Índia à procura de praia, sol, álcool e carne, na antiga colónia francesa Pondicherry. Ao sair das residências era visível a excitação de escaparmos de Karunya por 2 dias. A viagem no sempre cheio autocarro para Coimbatore, com cotovelos, rabos, crianças e sacos de cereais nos nossos colos, não nos pareceu assim tão má; e a música que se ouve tipicamente em templos Hindus aos altos berros na coluna do autocarro mesmo à minha frente era deliciosa.

Curiosidade: A população indiana está quase a atingir o mesmo número da China, o que é impressionante ao comparar a área dos dois países, e explica a constante concentração brutal de pessoas em simplesmente todo o lado.

Esta iria ser a minha experiência do que é o verdadeiro backpacking. Esqueçam o campismo selvagem sem banho e sem escovar os dentes durante não sei quantos dias em Portugal... isso é para meninos. Ao chegar a Coimbatore apanhamos o autocarro com camas imundas, por volta das 22h, onde passamos uma noite aos saltitões e trambolhões, dormindo apenas cerca de 2/3 horas porque tivemos sorte no condutor que nos calhou. Era bastante "suave" tendo em conta o padrão indiano.




Curiosidade: Na Índia não existem regras de transito. Existem corneta, apitos e que mais, e passa sempre o maior. Por vezes é assustador...

Chegamos a Pondicherry, às 7 e pouco, e mais uma vez elevei demasiado as espectativas. A paragem encontrava-se no bairro indiano, que parecia a mesma merda que Coimbatore e afins. Este lixo todo é cansativo... Ok, rumo ao bairro francês! Aí as ruas são mais espaçosas e mais limpas (porque devem de empurrar o lixo todo, ou para o bairro indiano, ou para o mar...) e a arquitectura é claramente francesa. Pondicherry divide-se nos dois bairros, indiano e francês, através de um canal, que basicamente é o esgoto principal da cidade, e este canal separa dois mundos complemente distintos: a Índia para os turistas, e a verdadeira Índia....


Com o passar das horas começa a vir o calor. Tinham-nos avisado que era um sítio muito quente, mas eu nunca imaginei que pudesse sentir tanto calor, parecíamos autenticas cascatas a suar. Eu nunca pinguei de suor na minha vida, nem a fazer exercício, mas eu suei de partes do corpo que nem sabia sequer que era possível suar. Suar de forma louca num sítio extremamente porco deixa uma pessoa extremamente porca.




Depois de passar pelo hotel para pedir para aliviar o peso das malas, vamos rumo a Auroville. Dividido entre 15 pessoas conseguimos apanhar entre 4 a 5 riquexós, dependendo de quantas pessoas nos deixam espremer em cada um. Esta viagem foi um pouco assustadora....



Auroville é uma comunidade hippie formada nos anos 70 pela auto intitulada "The mother". Actualmente,  o conceito é uma fantochada capitalista com loja e restaurante para o turista pseudo-hippie, que atira areia para os olhos dos turistas com uns quantos painéis solares e uma estação de tratamento de água e conversas da treta de salvar o mundo. Mas tirando isso,  pode-se realmente apreciar a natureza indiana no Jardim do Éden, porque não havia lixo, sem influência humana...



Depois do jardim segue-se até um uma bola gigante dourada que supostamente é algum templo de oração em forma de lótus, mas na realidade parece um posto de comunicação com a comunidade alienígena de onde vieram os hippies... Por esta altura estou mesmo pegajosa... sinto uma camada brutal de sujidade que nem se compara com uma semana de campismo! (indian style)


Depois de uma data de tretas hippies vamos à procura de uma praia de areia!! Estamos todos entusiasmadíssimos, pois este é um dos principal propósitos da nossa viagem, a seguir ao álcool é claro! E foda-se, mais uma vez expectativas demasiado elevadas! Uma praia com o potencial de ser paradisíaca era completamente imunda e suja, deprimente. Mas o calor é demasiado forte, temos mesmo que ir ao banho! Escusado será dizer que 6 raparigas brancas de biquinis são o foque de atenção de centenas de indianos, pelo que na verdade o banho acabou por ser rápido e desconfortável.

Curiosidade: Os indianos inventaram o Kamasutra mas são extremamente conservadores. Atrevo-me a dizer fundamentalistas no que respeita à liberdade da mulher.

Sente-se um cheiro pútrido que mais tarde nos aprcebemos de ser da mistura entre o lixo e o peixe podre em decomposição deixado pelos pescadores...este sítio na verdade é extremamente perigoso para a saúde humana, como quase toda a Índia.

Saímos da praia ainda mais sujos, e vamos tomar um banho para depois mais um dos pontos altos da viagem: jantar num restaurante francês. Carrrrne, deliciosa carrrne, que poderia ter sido acompanhada por vinho francês, mas devido ao preço exorbitante ficamos pela cerveja barata indiana. Tendo em conta o que eu tenho comido à duas semanas, aquele jantar soube-me a uma delícia divinal, no entanto é inferior a o que comeria na Europa...

A noite termina apenas comigo, a húngara e o brasileiro ainda em pé às 4 da manha, na zona chill out do hotel. Devo dizer que não estavam à espera que uma rapariga portuguesa de metro e meio bebesse tanto ou mais que eles.... mas visto que amanhã é outro dia decidimos voltar para os quartos.




No domingo decidimos ficar pela cidade e visitar a verdadeira índia.



Fazemos umas compras, e andamos pelas ruas, enquanto alguns dos rapazes continuam a embebedar-se, antecipando mais uma semana de clausura.



Mais uma vez vi miséria indescritível, e vi uma rapariga que nunca mais na minha vida me hei de esquecer. Tinha menos de 20 anos, um saco de ossos maltrapilhado, com uma criança no colo, e outras quantas ao pé, provavelmente nascidas numa valeta repleta de merda, e fruto das continuas violações que ela deve sofrer. Os olhos dela transpareciam o inferno que a vida dela é... pergunto-me se ela ainda possuía a capacidade de raciocinar, porque ela simplesmente está lá à de braço esticado.... Quando nada lhe chega ao braço come lixo... Ela é apenas uma entre milhares... Não sei se existe pior do que isto no resto do mundo, porque a concentração de pessoas, carros, casas, lixo, merda em esgotos abertos e tudo mais têm uma dimensão impressionante. E ainda não fui a Mumbai.... O dia continua a piorar, quando depois do jantar voltamos de novo à estação dos autocarros, um sítio onde um espécie de instinto animal faz clique na nossa cabeça para termos todos os sentidos a funcionar ao máximo. O facto de sermos um grupo de 15 pessoas traz uma certa sensação de segurança, mas este sítio é mesmo péssimo.... À noite, talvez pelo facto de estar mais fresco, mais miseráveis andam na rua a pedir e quase literalmente a saltar para cima de qualquer branco que vejam. Isto não é um sítio para qualquer um, definitivamente. Eu nem sequer vou descrever as "instalações sanitárias"...

A Índia não me vai ensinar a ligar menos à coisas básicas tipo chuveiro, cama fofinha, porque quando chegar à Europa vai voltar tudo ao mesmo. Mas a Índia já me ensinou o quão miserável e infernal pode ser a vida de um ser humano, o quão baixo um ser humano pode descer, e sinceramente não censuro certos indianos por serem porcos. Foda-se, a vida de alguns é tão merdosa que qual é o sentido em preocuparem-se com o lixo? E paineis solares?!? Esta gente não precisa de uma dúzia de painéis solares....

Mais uma vez passamos a noite quase sem dormir de volta a Coimbatore, agora assustados pela agressividade do condutor. Eu cheguei a saltar da minha cama e ter o meu corpo totalmente no ar...

Passei o dia a trabalhar tipo zombie... mas valeu definitivamente a pena! Ah, e já lavei a roupa, à mão, claro. Eu não sabia que podia cheirar assim tão mal, e a cor da água era simplesmente nojenta...

Vamos ver o que a Índia tem mais para me mostrar.... Ainda tem 10 semanas. Tudo o que vivi até agora, sei que me vai fazer sentir saudades, e sei que vou voltar outra pessoa.